2003
Durante 06 meses (a partir de março de 2000) dediquei as tardes a visitar uma instituição no Rio de Janeiro direcionada à recuperação de jovens (de 12 a 17 anos) internados por infringirem as leis – Escola João Luiz Alves.
Foram meses de convivência diária, trocas interculturais e afetivas, diálogos que através de entrevistas individuais abordavam temas muitas vezes sugeridos pelos próprios adolescentes como: família, infância perdida, violência doméstica, sexualidade, desigualdade social, consumismo, roupas de marca, drogas, o sistema das instituições de internação, vida, morte, os sonhos e a criatividade. Temas que acabavam sempre retornando ao meu projeto inicial: “O lugar do sonho junto à realidade social”. E que após a realização da pesquisa e das obras, me fizeram voltar à instituição semanalmente, durante os últimos 02 anos.
A proposta dessa instalação nasceu junto à lembrança permanente de alguns objetos que eram feitos pelos adolescentes para presentear suas mães (figuras centrais em todos os depoimentos) e namorados. Peças que eram apresentadas a mim durante as entrevistas como algo proibido.
A primeira vista seu colorido e formato me lembraram lápis de cor, mas pela comparação que era feita por eles com balas de armas de fogo, sua confecção não era permitida pela direção da instituição. Por isso, eram criados de forma precária dentro dos alojamentos, o que me deixou curiosa diante da criatividade em realizá-los sem nenhuma ferramenta, mas de forma tão bem finalizada.
Não se sabe como se iniciou o processo de aprendizado desse objeto, mas sabe-se que foi criado nesse tipo de instituição de internação há muito tempo. Era passado do interno mais antigo ao mais novo e era totalmente desconhecido por eles enquanto estavam em liberdade.
Feitos com os invólucros transparentes de canetas esferográficas; partes dos cabos de escovas de dente coloridas que são coladas nas extremidades (com sumo da casca de laranja) e são lixados no chão áspero, até que se consiga um acabamento arredondado ou pontiagudo. Seu brilho é dado com o pó que se desprende de azulejos.
Transportam em seu interior um líquido colorido, nomes femininos (de mãese namoradas), ou frases de amor e dizeres religiosos. São presenteados a elas para serem usados como pingentes com seus nomes – próximos ao corpo – como a presença diária do outro.
Estes objetos que são levados para fora da instituição situada na Ilha do Governador, chegam às favelas, bairros e municípios do Rio de Janeiro, de classe predominante baixa e média onde vivem essas mulheres.
Por estarem privados do convívio social, imaginei esses pequenos objetos como o único elo entre os jovens internados e o mundo exterior, e isso me fez lembrar as histórias dos náufragos e suas mensagens jogadas ao mar dentro de garrafas à procura de ajuda.
E assim começou a surgir o projeto…
Rosana Palazyan
Fevereiro, 2002.