Primavera das Belas Artes - 2007

Guaraci Gabriel

2007

 

Sinopse pulicada da obra

A Sala de artes visuais recebe a exposição de Cuaraci Cabriel. O artista já expôs em duas Bienais de Havana, na Bienal do Mercosul e na Casa da Ribeira. Cuaraci traz para a Sala Petrobras Artes Visuais mais uma de suas primaveras. Primaveras das belas artes – Corpo Presente é uma obra que nasceu com uma performance no dia da abertura e permanece até o dia 4 de novembro disponível para visitação.

 

Cuaraci é conhecido por suas obras monumentais (ele está no Cuinness World Records com a maior escultura em sucata do mundo) e costuma realizar performances relacionadas à estação que antecede o verão. Para discutir a relação entre artistas e curadores, a obra usa flores, abelhas e o próprio corpo do artista, tatuado com nomes como Cézanne, Picasso, Salvador Dali, Joseph Beuys e outros. Sobre as tatuagens efêmeras em seu corpo, Cuaraci Cabriel explica: “Eu quero me afastar dos curadores e estabelecer uma proximidade com os artistas. Não que os curadores não sejam importantes, mas podem ser prejudiciais.”

 

A exposição apresenta fotografias de performance realizada em espaços públicos, como as dunas de Cenipabu, a praça Padre João Maria e no estádio de futebol Machadão em Natal. Além das Bienais de Havana (Cuba), Cuaraci Cabriel participou da 3a Bienal do Mercosul e da primeira Bienal de Uchuai. Expôs em Portugal, Viena e Rio de Janeiro.

 

Primaveras das Belas Artes | Corpo Presente.
Exposição de 22 de setembro a dia 04 de novembro.
Visitação de terça a domingo das 16 às 22h.

Entrada gratuita

Apoio cultural: Arte Digital e RN Econômico.

 

 

Entre o monumental e a realidade híbrida ⁄ Sanzia Pinheiro Barbosa

A exposição Primaveras das Belas Artes, de Guaraci Gabriel, discute a relação entre curador e artista. Guaraci cria uma realidade híbrida. Vestido com roupas de apicultor, camufla-se na tela, na qual são projetadas imagens de um enxame. As abelhas se afastam na medida em que o artista se move usando um turíbulo. Nesse movimento, é possível ao observador distinguir a projeção e a presença física do artista, como também dar-se conta de que a roupa branca está gravada com nomes de curadores. Ao livrar-se das abelhas, livra-se também da roupa, mostrando seu corpo tatuado com assinaturas das vanguardas históricas, como Leonardo da Vinci, Cézanne, Picasso, Salvador Dalí, Marcel Duchamp, Joseph Beuys, entre outros.

 

Estarão expostas, também, doze fotografias de performances que têm como referência uma obra histórica, realizada em espaços públicos como as dunas de Genipabu, estação do trem urbano e no estádio de futebol. Em todas, o artista se apresenta com o corpo nu tatuado de signos da sociedade líquida. Essas fotografias são imagens captadas no momento, em que a performance é interceptada pela obra histórica proposta pelo artista, como na obra Corpo Presente (2007), que sofre a intervenção de Salvador Dalí.

 

A trajetória de Guaraci Gabriel é marcada pela monumentalidade. Ele cria imagens utilizando resíduos da sociedade industrial. A partir de 1990, momento em que o Grupo Oxente de intervenções ambientais se desfaz, e do qual fazia parte, inicia uma pesquisa em construções públicas monumentais. Sua arte pasma o espectador, surpreende e provoca polêmicas.

 

Em 1998, executa a maior escultura em sucata do mundo, passando a integrar o Guinness World Records com a obra Cuerra e Paz (1998), de 24 metros de comprimento e 50 toneladas de metais cravados na Via Costeira. São obras que exigem equipamentos de peso: guindastes, britadeiras, empilhadeiras e caminhões. Um aparato técnico fenomenal. Uma engenharia, que solicita uma pesquisa envolvendo a física, a tecnologia, o cálculo, a compreensão da malha administrativa da cidade e a coordenação de dezenas de operários.

 

“Faço arte pública monumental para lembrar a minha insignificância, da minha pequenez. No processo de construção de minhas obras, chego a um ponto em que me vejo no limite, totalmente dependente do operário, da máquina, da tecnoburocracia; vejo-me na teia de interdependência, me encontro imobilizado”, diz o artista. Na construção de Guerra e Paz (1998), chegou a quebrar o pé e mesmo assim continuou com o trabalho. Apenas no final do dia, foi ao hospital, para no dia seguinte reiniciar um trabalho que durariam dois meses. O artista ressaltou que o gesso foi seu troféu, que guarda até hoje, e não o certificado do Guinness Book.

 

A Flor do Tempo, obra de 17 metros de altura e 10 de diâmetro, foi exposta na Bienal de Havana (2003), Bienal do Mercosul (2002) e Natal (2001). Sobre este trabalho, podemos ler no catálogo da VIII Bienal de Havana: “A intervenção urbana expõe a simplicidade e beleza dos planos no espaço. A obra é uma combinação plástica entre dois pontos distintos que determinam uma reta formando o talo da flor, e o plano são pétalas que fazem um paralelo com a linha do horizonte”. A manifestação estética da obra se realiza no olhar de cada observador, pois ela participa de visões em tempos determinados pelo modo de ser de cada olhar que a encontra na paisagem urbana saturada de elementos visuais.

 

Em Viena, no ano de 2000, ao intervir na fachada de um prédio antigo, colocando um fragmento da partitura do hino nacional, faz os austríacos cantarolar o hino brasileiro. A obra estabelecia uma relação gráfica entre a Vênus, de Willendorf, e a clave de sol grávida de musicalidade.

 

O conjunto das obras de Guaraci Gabriel se divide em núcleos modelados no bronze e no cimento; núcleos construídos no aço, no ferro e um terceiro, e talvez mais marcante, que é aquele produzido com o lixo da indústria. Guaraci tece as condições de financiamento e realiza as produções de suas obras, apresentando- se como um pensador. Para a produção de Crucifixo Coração em Cristo de Escape, na qual crucificou carros em via pública, andava nos ônibus, nos escritórios e na Governadoria do Estado vestido de rei em busca de financiamento. Na produção de Primavera de Cala (2004), obra que dialogava com Salvador Dalí, percorria o centro da cidade de Natal vestido de gala com uma nota de um dólar, servindo-lhe de gravata borboleta, num jogo semântico entre Gala, esposa de Dalí, e gala como luxo, pompa.

 

Nas aberturas das suas exposições, costuma realizar performances: britadeiras derramam flores, faz-se brotar de máquinas de lavar roupa para brindar com Drags queens, desce de guindaste distribuindo dinheiro, entre outras ações. Costuma representar personagens que de alguma maneira estão dialogando com o conjunto das obras expostas.

 

Na individual Nona Dimensão (2000), o artista vestiu-se de Calígula que, protegido por sua guarda, recepcionava os observadores que iriam apreciar o corpo de um cavalo em estado de putrefação na Pinacoteca do Estado. Se Calígula nomeou seu cavalo senador, Guaraci o transformou em obra de arte. Isso como protesto às instituições que lhe havia negado patrocínio para a realização da obra Cuerra e Paz e nove meses depois paga, ao patrocinador do artista, seis vezes mais, que o solicitado para retirar a obra.

 

São imagens, densas em metanarrativas, possuidoras de uma ambivalência que pervertem o sonho newtoniano. Suas obras são portadoras de destruição e construção. Ao transformar o lixo industrial, imprimindo uma poética, conserva-o, ao mesmo tempo em que denuncia sua perversidade. Na obra Pietá (1999), Guaraci Gabriel, deita-se nu sobre fios de aço que sugerem lâminas.

 

Construiu na cidade de Mossoró/RN, com sucata, uma imagem do Planalto Central, sede do governo brasileiro. A intervenção urbana Boca da Noite (2004), com 17m, é composta de dois fuscas, um virado para cima e outro para baixo, espetados em garfos e facas de ferro. Faz referência ao fracassado Projeto Fome Zero; da cidade projetada, de onde não vieram mudanças significativas para os trabalhadores que continuam dando o sangue para o famigerado projeto neoliberal.

 

Guaraci Gabriel é um bricoleur da fluidez do diálogo e do conviver. Acompanhei alguns processos de construção/organização de suas exposições/ performances. Como sugere Claude Lévi-Strauss, está a meio caminho, entre o pensamento científico e o pensamento mágico/mítico, chegando a resultados imprevistos, jogando com estruturas para criar imagens e fatos. Porém todo ato, toda matéria, todo objeto e a organização destes no espaço-tempo são pensados e justificados pelo artista. Há em Guaraci uma necessidade de se explicar. De discurso escorregadio, faz coincidir sua arte com uma dimensão ético-estética no conviver. Talvez seja a água, que diante dos obstáculos se afina, passa pelas pequenas fendas e chega ao seu objetivo, a melhor metáfora para dizer de Guaraci.

 

O artista costuma ritualizar a chegada da primavera com a abertura de uma exposição. Na mostra Sagrado Contexto em Vênus (2005), realizou uma intervenção urbana que era parte da performance que acontecia na Pinacoteca do Estado. Saíram em ambulância com paramédicos nos bares e espaços públicos aglutinadores de pessoas. Ao lado de uma enfermeira que chorava e gritava dizendo “vai nascer! A criança vai nascer”, o artista conduzia na mão a réplica da Vênus, de Willendorf e pedia ajuda para o enxoval.

 

No primeiro momento, provocava nas pessoas uma verdadeira paralisia cognitiva e comportamental, obtendo assim, pequenas contribuições. De volta à Pinacoteca, uma segunda enfermeira retirou 5ml do sangue da mãe do artista, com o qual ele pintou a réplica da Vênus, de Willendorf. A performance realizada é polêmica, como a grande maioria de suas obras. A arte contemporânea é organicamente ligada ao Agora, ao espaço-tempo presente.

 

O sangue é símbolo de vida, de nutrição, líquido vital, transporte do oxigênio e da matéria nutritiva no nosso corpo. Elemento essencial na reorganização de uma nova vida. Há, no mundo, um movimento de retorno ao culto à Grande Mãe, seja nos movimentos ecológicos, na ciência da complexidade, nas práticas espirituais diretamente ligadas à natureza, ou na significativa migração das pessoas para o campo. A Vênus de Willendorf é símbolo do culto à natureza. O sopro da vida não está somente dentro do organismo; é também o ar, o vento, o sol, a lua e, no caso da humanidade o outro, a educação, a cultura, a atividade etc.

 

A intervenção e a performance são políticas, culturais e artísticas. A singularidade da Arte Contemporânea consiste em reconhecer e tecer na e com a complexidade da sociedade e do homem no espaço-tempo presente. As ações não são vistas isoladamente, mas na rede, no tecido urbano que inclui o que foi, o que é e o vir-a-ser. A performance usa a imagem como elemento básico, com o fim de levar o observador à perplexidade, ao trágico e ao estapafúrdio, provocando desautomatização e movimento no espírito do animal humano.

 

A obra Raio X, selecionada para a IX Bienal de Havana, incorpora ações relevantes. Trata-se de radiografias e fotografias de celular, bolos, bolsas, sapatos, entre outras adesivadas na lateral do transporte público coletivo de Havana. Com a descoberta do Raio X, pelo físico Wilhelm Conrad Rontgen (1845-1923), o homem ganhou a incrível capacidade de ver o invisível. O Raio X ajudou a clarear muita coisa para o olho humano. Sem ele não conheceríamos a estrutura das moléculas e não poderíamos ver as explosões que incendeiam o Sol. Não teríamos informações sobre o método de trabalho do pintor Van Gogh ou o torcicolo de múmias egípcias.

 

A intervenção urbana Raio X torna público o sonho de consumo dos cubanos, expressa o invisível através da fotografia. O Raio X atravessa a flandelagem fria da máquina, revelando a estrutura do corpo que dá suporte ao sonho. O traslado dos sonhos circulou nas ruas de Havana sob o olhar dos observadores e de um cinegrafista.

 

Considerada pelos curadores da Bienal o “fecho de ouro”, citada por Leonor Amarante em reportagem do Estadão/SP (27/04/2006), a obra esteve também na Bienal do Fim do Mundo na Patagônia. Nessa versão Guaraci Gabriel plotou sua mãe; Jota Medeiros, artista multimídia; Militana, romanceira; Abmael Silva, sebista e editor; um homem jovem nu, com luvas na qual estava impresso Raio X da sua própria mão.

 

Habitantes das terras quentes de Natal circulavam em Uchuaia, de chinelo e sem camisa. No ônibus, estavam sendo distribuídas luvas, estas que eram na verdade senhas de entrada para uma festa. Ao juntar as duas luvas, o observador tinha o planeta Terra em suas mãos e a questão: ¿Ahora qué hacer?

VEJA OUTRAS EXPOSIÇÕES

Veja como alugar nosso espaço

Download do edital Formulário de Inscrição