2003
Olhos são órgãos limítrofes, entre o dentro e o fora… Daí a recorrente metáfora da janela. Representar o olho é sempre um ato paradoxal, pois representação implica em leitura, coisa de olhar, coisa de olho. Sendo assim, o olho representado é uma questão de espelho… Ou de tautologia… Ou de fantasmagoria.
A mostra que Elder Rocha apresenta sugere essa ideia de uma possível catalogação das imagens de olhos. Os trabalhos pertencem a diferentes séries que o artista vem desenvolvendo, desde os anos 90. Retiradas de seu contexto original e organizadas em uma nova sintaxe, as obras propõem outro percurso, autônomo em relação aos originais.
Da série “Solve et Coagula”, estão os olhos de Santa Luzia, a parábola da cegueira como consequência de um “excesso de visão”, da clarividência (e aí ela se aproxima de Édipo). Lidando com a iconografia religiosa, Elder a esvazia de seu poder evocativo ao associá-la com outras imagens (capturadas das mais diversas fontes, em um exercício de apropriação que dialoga com uma estética cuja genealogia remete ao dadá e ao pop). As telas da série “Des(Re)conhecer”, produzidas a partir de 2000, radicalizam o deslocamento das imagens apropriadas de revistas, TV, livros de anatomia, livros de arte, etc. Aqui elas são quase-letras, adquirindo sentido (ou resistindo a ele) por localização, por articulação com os demais fragmentos que ele reproduz rigorosamente em pintura.
Seu trabalho mais recente chama-se “Olhos negros para ver a cidade”, uma pintura-instalação, cujo suporte é a própria sala de exposição: de uma parte central mais concentrada, onde três telas estampadas com diferentes padrões de xadrez (algo como um pequeno mostruário de padronagens) abrem-se em detalhes de uma pintura em preto e branco, meio vestígios do que se esperaria encontrar ali, saem caminhos pavimentados de tacos de madeira (aqueles dos antigos pisos de parquet). Dispersos, mas como que atraídos por esse centro de sentidos possíveis, estão os passos. Marcados por pontos negros (negros olhos), os pés aqui, moldes de madeira para sapatos que portam as marcas do uso, da sua história de funcionalidade, antes de serem transformados em fragmentos de poesia indicam o movimento.
Somente para seus olhos… Os de cada um que se deixar conduzir pela transparência dessas marcas. Feitas, em última instância, no interior dos olhos. A exposição do artista foi aberta ao público de 03 de setembro a 26 de outubro de 2003.
Marília Panitz.
Agosto de 2003.