2003
Uma série de dezessete pianos de cauda, em tamanhos variados, dispostos pelo chão, ao qual que se soma um curto diálogo entre um casal tendo ao fundo um prelúdio de Rachmaninov, que se repete de forma intermitente, compõem a instalação Enquanto eu te Espero de Nazareno. Logo de início, a relação imagem/som de pianos tem o seu imediatismo rompido, ao nos depararmos com o hermetismo de cada objeto-piano: aqui, são instrumentos que não emitem qualquer tipo de som, visto que não possuem sequer teclados. São objetos em forma de instrumento-piano, completamente vedados em sua existência silenciosa e autorreferente.
No entanto, o caráter objetual dos pianos que compõem essa instalação difere do modelo histórico inaugurado por Duchamp. Não se trata de ready-mades. São objetos manufaturados em conformidade com princípios quase artesanais, visto que exigem ‘mão de obra’ especializada. Se os ready-mades de Duchamp lidam com o esvaziamento do objeto de escala industrial, abstraindo-o do seu contexto original, os pianos-objeto de Nazareno cumprem o caminho inverso ao manterem de forma significativa o seu conteúdo subjetivo e, de certa forma, psicológico.
Subjetividade marcada, em primeiro lugar, pelo caráter de autenticidade do objeto único, não industrial, que traz em si a marca do artesão (aquele que faz) consoante com a poética do artista (aquele que cria) e, em segundo lugar, pelos aspectos psicológicos que determinam o próprio conteúdo de cada forma que varia de sujeito para sujeito.
O conteúdo desses objetos, afetivo, é redirecionado pelo artista através do título da obra e do diálogo que ouvimos repetidamente: Enquanto eu te Espero apresenta uma situação de expectativa temporal endossada pelo diálogo não conclusivo e, indefinidamente, repetitivo que não pontua uma perspectiva de finalização. A expectativa como tônica do trabalho é manifesta por uma suspensão temporal: nada além do que é dado será oferecido. A imobilidade silenciosa dos pianos-objeto confronta-se com uma temporalidade quase cíclica através de sons (diálogo e música), que viabiliza a potencialização e a consequente ressonância do seu conteúdo.
A espera de que o trabalho trata não é física: existe um encontro, um diálogo. O que se espera, então? Aqui, a espera constitui-se, quase, como uma metáfora da vida: espera-se aquele momento ideal que, dificilmente, existe. A fala feminina, vacilante, almeja a hora do tempo ideal (“… é melhor eu esperar um pouco mais…”). A fala masculina consente a opção pela espera (“… se você assim deseja…”). Quando ambos se silenciam, ouve-se apenas um prelúdio. As notas de piano que escutamos materializam a expectativa, o tempo, a espera. O piano emite os seus sons pelas mãos do sujeito; logo, aqui, mesmo que aparentemente silencioso, personifica-se o sujeito universal. As variações de tamanhos desses pianos correspondem às variações que sofremos no estar-no-mundo (infância, crescimento, amadurecimento).
O caráter psicológico dessa instalação possibilita a viabilização do resgate do sujeito e da sua consequente personificação. O tempo aqui manifesto está totalmente condicionado ao sujeito: existe por e para ele. Tempo de ressonâncias corroborado pela cor branca dos pianos que pulsa para além dos seus limites. Enquanto eu te espero ressoa, de forma simultânea, o sentido da vida, o sentido do tempo, o sentido da espera. “Enquanto eu te espero” de Nazareno ficou aberto ao público de 22 de janeiro a 09 de março de 2003.
Zalinda Cartaxo