2005
Foram três dias de intenso trabalho na cidade de Natal, e o resultado: 91 “tapiocas de bonecas” expostas nas paredes centenárias que a Casa da Ribeira preserva dentro do espaço de exposição. A artista se colocou numa situação limite para produzir as “tapiocas”. Elegeu, por e-mail, três dias de trabalho: um para a coleta de material, outro para elaborar o trabalho com a ajuda de artistas locais, e, no último, a montagem seguida da abertura da mostra e de uma conversa sobre o seu trabalho.
No dia seguinte, voltando para Porto Alegre, concluiu no avião que seus cálculos haviam dado certo: tudo correra como planejara. Trabalhara três dias com muita concentração de energia, que tudo no local ficara a seu favor para que a obra nascesse.
Diário da artista
Coleta de material: primeiro dia
Bairro do Alecrim – encontro as mesmas bonecas que usei num trabalho que havia feito no início dos anos 90, “Bonecas derretidas”, (bonecas fundidas com o calor sobre organza de seda pura), e decido retomar o mesmo movimento sobre as toalhinhas redondas de colocar em bandejas que estavam sendo vendidas para turistas que visitam Natal. Toalhinhas feitas de crochê, renda renascença, caicó, bilro e linho. Decidi que seriam todas redondas e a quantidade, 91, foi dada pelo valor disponível para a compra do material.
A oficina: segundo dia
Solar – A diretora do Solar cede um espaço dentro do Solar, para a oficina se realizar entre coqueiros, árvores centenárias, suco de caju e acerola, bolos, biscoitos e água gelada para todos. Seis artistas locais se prontificaram para ajudar na criação do trabalho. 91 bonecas, 91 ramalhetes de rosas pequenas e 91 toalhas redondas. O movimento limite foi colocado pela artista, para os artistas locais: cada toalha receberia, com o calor do ferro de passar, uma boneca e um ramalhete. Após algumas instruções iniciou-se o trabalho, e nos damos conta que estamos trabalhando numa roda onde a conversa rola, assim como as rendeiras e bordadeiras talvez tivessem se sentado, e feito aquelas toalhas que serviam de base para as bonecas.
Montagem da exposição, abertura da mostra e conversa: terceiro dia
As bonecas fundidas sobre suportes individuais indicaram muitas possibilidades na montagem, o contrário do que ocorreu com o trabalho feito em 1995, onde elas ocupavam o mesmo suporte. Assim, a escolha da parede centenária foi feita após inúmeras possíveis montagens que o conjunto apontava.
Círculos, linhas, caminhos pelos lugares mais altos do espaço foram investigados, desenhos no chão, que só uma obra dividida em 91 partes independentes pode oferecer.
Conclusão
A fusão da história da cidade de Natal representada pelas paredes centenárias, pelas rendas e pelas tapiocas, bens culturais que a cidade preserva com o meu movimento de fusão boneca-tecido iniciado há apenas 10 anos atrás, no extremo sul do país, resultou num diálogo entre períodos históricos diferentes, cidades opostas, se considerarmos que uma está localizada no RGN e a outra no RGS do país e possuem diferenças culturais marcantes, são as duas pontas de um país enorme que neste trabalho intitulado “Tapiocas de Boneca” se misturam, em tempos e situações diferentes de criação. Há algo violento e doce nesse encontro, de agressivo e apaixonado, como é comum acontecer nos relacionamentos com o oposto, com o desconhecido, com o estrangeiro.
As tapiocas de bonecas da artista que encantaram o público presente estiveram abertas para visitação de 13 de julho a 28 de agosto de 2005.
Lia Menna Barreto